segunda-feira, 22 de março de 2021

Eles Vivem - A Crítica social da Dominação Cultural Burguesa

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* Avisamos ao leitor que o texto visa realizar uma assimilação do filme Eles Vivem (1988) de John Carpenter, de acordo com fins políticos e dando um significado particular ao filme que não condiz exatamente com o significado original da obra. Assim, fazemos um exercício de livre reflexão sobre o filme, tendo como base o material disponível no universo ficcional daquele. Em determinados momentos, a reflexão condiz com elementos do universo ficcional presentes no filme, e em outros não.
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O filme de ficção científica Eles Vivem trata de uma sociedade na qual os seres humanos são dominados e explorados por alienígenas. A forma como ocorre tal dominação e exploração, assemelha-se aos meios existentes na sociedade capitalista, o que transforma o filme em uma metáfora da luta de classes na realidade. Desse modo, os alienígenas formam a classe capitalista, enquanto os seres humanos são divididos em várias classes sociais. Dentre estas diversas classes sociais, a classe trabalhadora continua sendo explorada e dominada, ao passo que a classe capitalista e suas auxiliares visam reproduzir a sociedade existente. 

Na trama do filme, temos um operário sem nome (Nada) que chega na cidade para arrumar um emprego. Em seguida, ele consegue um trabalho na construção civil, relacionando-se a partir daí com Frank, outro operário. Interessante notar a solidariedade entre ambos, o que obviamente contrasta com o egoísmo presente entre a classe dominante e a busca pela defesa de seus interesses pessoais, sobretudo o lucro. Logo depois do trabalho, Frank e Nada vão para um acampamento, próximo de uma igreja, no qual vários indivíduos desempregados, sem tetos, vivendo de condições precárias compartilham um assentamento urbano. Um dos líderes desse acampamento é Gilbert, que logo recebe Nada, acolhendo-o ali em diante com os demais indivíduos da classe trabalhadora, subalternos ou do lumpemproletariado. Dentro do cotidiano desses indivíduos, em meio aos problemas de desemprego, fechamento de fábricas etc., percebe-se o total conformismo, submissão e aceitação da realidade existente. O operário e andarilho Nada, por exemplo, diz em um diálogo que é um cidadão comum, acredita nos EUA e segue as regras.

Aos poucos percebemos que as televisões da cidade (ou mesmo do país) têm recebido uma interferência, na qual um senhor aparece na programação e começa a questionar a dominação e o controle que grande parte da população tem aceitado, sem se dar conta disso, ou mesmo revoltar. Assim, as pessoas são tratadas como gado, escravos e nada fazem para mudar esta condição. Ao lado do acampamento, há uma igreja que é um local de reunião para um grupo revolucionário, este que é justamente o responsável pelas interferências na programação da televisão. Tal situação vai permitir a John o avanço de sua consciência. Em certo momento, a igreja é invadida pela polícia, que utilizando da sua habitual repressão destrói o acampamento e a igreja. Nada percebe essa situação, vai até a igreja, descobre uma caixa com uns óculos e experimenta usar, no dia seguinte à destruição por parte da polícia.

Os óculos de sol que o operário utiliza gera uma mudança impressionante em sua “visão” da realidade e do mundo ao seu redor. Nada começa a enxergar as mensagens por detrás da publicidade, os discursos como realmente são na televisão e os alienígenas disfarçados de seres humanos. As mensagens reveladas pelos óculos reproduzem os ideologemas, valores, sentimentos e representações cotidianas ilusórias na sociedade burguesa, cuja finalidade é a reprodução da hegemonia da classe dominante, ou do que alguns chamam de “status quo”. Os óculos possibilitam romper com a hegemonia burguesa, desvelando a cultura da sociedade capitalista em seus inúmeros aspectos. Assim, mensagens como “obedeça”, “case e se reproduza”, “não há livre pensar”, “consuma”, “durma”, “compre”, “não pense” e “assista televisão”, revelam ideias que interessam à classe burguesa. A autonomia, a verdade, a igualdade, a reflexão intelectual, o bem-estar mental e físico, questões que deveriam ser compartilhadas e vividas em uma sociedade emancipada, devem ser evitadas e reproduzidas a fim de manter a dominação e exploração por parte de uma classe dominante.


Por isso, o operário Nada logo sofre um “choque de realidade”, na medida em que os seus verdadeiros interesses são revelados por detrás da falsidade que permeou toda a sua existência. Não é por acaso que logo depois de utilizar os óculos, ele começa a matar os alienígenas, tornando-se um guerrilheiro armado que logo depois é perseguido pela polícia. Assim, ele sequestra uma mulher, chamada Holly Thompson, diretora do canal 54, mas logo é repreendido por ela e foge de sua casa. Em seguida, Nada consegue fugir da polícia e encontra Frank. Ao encontrar Frank, Nada tenta convencê-lo da necessidade de utilizar os óculos e enxergar a realidade como ela é realmente, partindo de outra perspectiva que não seja a da classe dominante. Após alguns minutos de brigas e discussões, Frank coloca os óculos e juntamente com Nada, desperta do sonho em que estava adormecido.

Frank e John Nada se unem na luta contra a dominação alienígena, quando começam a utilizarem os óculos. Dessa maneira, dois operários avançam a sua consciência para uma perspectiva crítica da realidade e começam a lutar pela emancipação humana a partir da destruição da hegemonia burguesa controlada pelos alienígenas. Ambos encontram Gilbert, um dos líderes do grupo revolucionário que criou os óculos, que, por sua vez, chama eles para uma reunião estratégica de planejamento e organização para enfrentarem os alienígenas nessa sociedade. O problema é que existem diversos obstáculos, e um deles é o problema de os próprios seres humanos terem sido cooptados pelos alienígenas, tornando-se auxiliares da classe exploradora. Geralmente, tais indivíduos que auxiliam fazem parte das classes superiores, ou seja, das classes auxiliares da burguesia que são a classe burocrática e intelectual. O plano do grupo revolucionário consiste no desligamento de um sinal do satélite criado pelos alienígenas, com a função de manter a reprodução da sociedade por meio das mensagens e ideias reproduzidas pelo capital comunicacional, principalmente o capital televisivo.

Acontece que o esconderijo do grupo revolucionário é descoberto e, por sua vez, invadido pela polícia que começa a exterminar todo mundo. No meio disso, Frank e Nada conseguem fugir, utilizando de um relógio alienígena que abre um portal e leva-os para a base secreta dos aliens. Nessa base, os dois heróis iniciam uma luta dentro do prédio, até chegar à central da rede de televisão 54, lugar em que o sinal de satélite que veicula as ideias dominantes se localiza. Assim, Nada consegue chegar até o terraço, avistar a antena e destruí-la com o armamento de fogo que estava em sua posse. A partir disso, com a destruição da transmissão de satélite que os alienígenas mantinham, a verdadeira face deles é revelada, gerando um intenso furor e choque entre os seres humanos.


O principal tema que podemos analisar nesse filme é a dominação cultural burguesa que ocorre na sociedade capitalista. Além da relação de exploração que ocorre no processo de produção, há também em nossa sociedade o aparato estatal e seus diversos aparatos (educacional, comunicacional, repressivo etc.), bem como o capital comunicacional, que visam garantir a reprodução e a acumulação de capital. O que ganha destaque nesse filme é o aparato comunicacional, ou seja, o capital comunicacional privado e estatal que veicula através de mensagens, nos seus diversos meios tecnológicos de reprodução (tv, rádio, cinema etc.), as concepções, representações, sentimentos, ideologemas, etc., que servem para a manutenção da hegemonia burguesa na sociedade. Há, portanto, todo um universo cultural que impede os indivíduos de enxergarem a possibilidade de transformação social radical e total da sociedade capitalista.

Assim, um dos motivos dos indivíduos não se rebelarem ou lutarem pela transformação é a cultura burguesa que busca legitimar a realidade existente. Desse modo, o filme ajuda a compreender esse elemento, mostrando que a televisão, a publicidade, o consumo, entre outros elementos servem para legitimar a sociedade burguesa como ela é. Os valores como a hierarquia, a submissão e o consumo, são introjetados na mentalidade dos indivíduos, fazendo com que eles aceitem as relações sociais como naturais, eternas e imutáveis. Portanto, os indivíduos não apenas aceitam a sociedade como ela é, mas desejam-na, agem como se tais valores fossem realmente importantes em sua vida. Logo, na perspectiva do materialismo dialético, as ideias também possuem força material, atuam na realidade e podem ser um dos elementos que ensejam mudanças ou não. O filme Eles Vivem contribui justamente na percepção de que determinadas ideias podem ser falsas, inautênticas e, portanto, devem ser combatidas e criticadas, desvelando a verdadeira face daqueles que dominam e exploram em nossa sociedade. Por detrás de cada alienígena, há um capitalista disfarçado no cotidiano que luta para manter os seus interesses, em detrimento da miséria da classe trabalhadora que se mantém sufocada e reduzida aos seus interesses imediatos que correspondem à manutenção da sociedade burguesa. Dessa maneira, o filme revela uma mensagem de crítica social, de modo que ele é um instrumento de luta cultural. A mensagem abre brechas para que a luta contra a classe dominante seja possível, despertando a classe trabalhadora das cadeias da exploração e para a necessidade de lutar pela transformação dessa sociedade.  

Leitura recomendada:
Luta de Classes e Universo Cultural - Nildo Viana

Universo Psíquico e Reprodução do Capital - Nildo Viana

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