sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Filme Dogville

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Nesta obra de Lars Von Trier, filmada no ano de 2002, acompanhamos a história de Grace, uma mulher que ao fugir de mafiosos, vai parar em uma cidade minúscula chamada Dogville, que possui pouco mais de dezenas de habitantes. O período da história situa-se no ano de 1930, o ano da depressão econômica nos EUA.

A grande característica visual desse filme é a exclusão dos cenários, sendo substituídos por marcações de giz. Uma técnica, a princípio, ousada, que depois é entendida como um excelente recurso técnico usado pelo diretor, para enriquecer a proposta temática do filme.

Na cidade de Dogville, o que pode ser traduzido como “cidade de cachorro”, conhecemos um lugar que está localizado em uma região periférica. Não há estradas, escolas e hospitais; porém, existe uma prisão um pouco afastada da cidade, uma montanha não muito distante e um agente da lei, que informa todos os dias aos habitantes, sobre os problemas da cidade. Em uma sociedade como essa, mesmo distante dos problemas econômicos das cidades grandes, os cidadãos vivem isolados e sem muitas perspectivas de vida, contrastando com uma mina de minério abandonada, que poderia ser fruto de grandes riquezas no passado.

O diretor foca sua câmera em planos abertos e verticais, revelando a natureza da cidade e demarcando a divisão social, ali presente. Cada cidadão tem um trabalho bem definido, o que confere uma sociedade planificada, à qual o trabalho é realizado em horários definidos e com funções específicas. Apesar dessa universalidade, ocasionada por uma falta de cenários, que pode ser visto como um meio de aproximação entre as pessoas, já que não existem “barreiras” entre elas, os indivíduos ali presentes, parecem estar imersos em um individualismo, em que existe uma preocupação com o bem-estar de todos, ao mesmo em que cada um parece se importar apenas com o seu “eu”.

Diante desses problemas, uma estrangeira chega à cidade e tenta inserir-se naquela sociedade, com o intuito de se tornar cidadã. Confrontada por eles em uma votação na igreja, ela é convencida a realizar trabalhos por algumas semanas, a fim de que se faça outra votação, para decidirem se ela poderá ou não fazer parte daquela cidade.

É interessante perceber o papel inocente e belo de Grace, que em seus próprios valores, apreende aquela realidade como sendo diferente das demais – ela fugia dos problemas com a família. Em um primeiro momento, as pessoas parecem acolhedoras e familiares, mas com o passar do tempo, elas começam a demonstrar hostilidade e mostram o lado mais cruel do ser humano. Através do mediador, chamado Thomas Edison, presenciamos uma experiência social de transformação. Aliás, o nome Thomas Edison, sugere o nome do inventor da lâmpada elétrica. O que é curioso, pois ele deveria ser o “iluminador” no caminho de Grace, mas em uma democracia em que a maioria decide os rumos do todo, de modo irracional, ele não pode fazer nada, além de aceitar a situação de sua anfitriã. Assim, Dogville à primeira vista, poderia ser uma cidade qualquer, mas em um segundo momento, ela se transforma no pior inimigo aos valores morais e humanos, presentes em Grace. Ela é corrompida e transformada em objeto.

A presença de uma estrangeira é tratada como um estudo de alteridade para aquela sociedade. À medida que Grace vai sendo abusada sexualmente, e começa a acumular trabalhos, isso se reflete mais ainda na maneira com que as pessoas, isoladas de si mesmas e do mundo, tratam o “outro”, o próximo. Apesar dos esforços do mediador, em tentar fazer uma conexão e perguntar às pessoas o que acham da presença dela na cidade, todas as tentativas são frustradas, pois o estrangeiro não pode ser aceito. Com a total desistência do mediador em tentar esse contato, Grace fica em total rejeição e, abandonada, tenta fugir da cidade.

Com a chegada dos mafiosos, o que resta agora para os habitantes de Dogville é o fim de sua existência. Depois de uma completa rejeição a uma estrangeira, eles são eliminados após uma breve reflexão de Grace, que conclui: “o mundo seria melhor sem essa cidade”. O que de fato pode ser perfeitamente compreensível para a personagem, é crítica para a nossa realidade atual. Em uma sociedade, digamos “civilizada” e desenvolvida, parece claro que os indivíduos vivem em total integração com o próximo, e cientes que devem prezar pelo bem estar comum. O que podemos interpretar na obra de Lars Von Trier, é entender como um sistema fechado de relações sociais, em que o interesse egoísta de cada um, funciona como uma barreira que se mostra incapaz de atravessar, causando assim um rompimento entre as pessoas. Aqui se justifica a sua opção estética, como uma bela ironia.

A questão é o individualismo e o fim da sociabilidade entre os seres, que é a grande pergunta do mundo pós-moderno. O que sempre pensamos como um problema amplo, e refém apenas de grandes sociedades, podem ser encontrados em uma cidade isolada e deserta, chamada Dogville, onde mesmo com uma divisão social bem simples, existem problemas tão universais e complexos, que estão presentes em todos nós.
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Texto escrito em 2014.
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