sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Filme Muito Além do Jardim

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Como poderíamos relacionar o papel da televisão com a formação do indivíduo? Hoje a pergunta não se faz tão pertinente, pois existem outros meios de comunicação mais utilizados do que este, mas na década de 70, em plena Guerra Fria, não podemos ignorar a crescente massificação que a televisão veiculava em sua limitada programação. Grande parte das pessoas construíam o seu imaginário, os seus valores, ideias e crenças através desse poderoso meio de comunicação, fazendo deste um componente fundamental da sua própria vida. É nesse ponto que o belo filme de Hal Ashby toca.

Muito além de um jardim poderia ser uma fábula, mas não é. A história é centrada no jardineiro Chance (Peter Sellers) que foi criado desde pequeno pela criada Louise, e agora, encontra-se perdido, sem ter para onde ir, pois o dono da casa onde ele estava empregado, morre, e deixa a propriedade sem nenhum herdeiro. Nas cenas adiante, descobrimos que todas as experiências deste indivíduo estão reduzidas a apenas duas coisas: a televisão e o jardim. E podemos notar que o seu vínculo com a realidade, ainda se faz por causa do segundo, enquanto a outra parte de sua vida se reflete em uma mímica, uma imitação da realidade televisa. Notamos esses as características superficiais de Chance, logo na cena no começo do filme, em que o senhor da casa morre, a empregada relata o acontecimento a Chance e espera dele uma reação, o que não vem a acontecer. Em um primeiro momento, ela fica nervosa, mas logo depois, ela relembra que o indivíduo nunca se relacionou com ninguém, e dificilmente poderia expressar alguma emoção. Seria a culpa dela, por Chance nunca ter saído da casa e ter conhecido o mundo “real”? Ou, a televisão sempre o manipulou de tal forma que os relacionamentos entre os seres humanos se reduziram àquela superficialidade veiculada por ela mesma?

Dessa forma, tratarei aqui de interpretar a história pela segunda opção. Uma leitura poderia apontar o filme como uma crítica ácida, um desvelamento de uma realidade massificada em que as pessoas aceitam, sem julgar, toda a realidade construída pela televisão. Ao acaso, ele é confundido com um empresário rico, e sob os cuidados de uma família milionária, recebe um tratamento por parte desta, já que havia sido acometido por um acidente de carro. Então, gradativamente ele vai se mostrando uma pessoa confiável, perspicaz e, à medida que ganha notoriedade, vai começando a ocupar o futuro espaço político nos EUA.
Assim, não é ocasional que Chance se torne uma pessoa reconhecida pelo público, ganhando fama entre os figurões do alto escalão e ele próprio, se tornando uma estrela dos programas em que assistia. Os indivíduos que estão inseridos dentro deste espaço são pessoas como ele, alienadas pela própria realidade televisiva, que para estarem adequadas dentro deste meio, precisam conhecê-lo e se conformarem por segui-lo. Em um momento do filme, a jornalista afirma:

- É interessante ver a sinceridade de Chauncey por dizer que nunca lê jornal.

A afirmação da jornalista confirma o que todos precisam fazer para estarem dentro do espaço público. Para serem famosos e reconhecidos, eles precisam fazer parte da grande mídia. Mesmo os indivíduos que contestam a sua existência, como no caso do filme Rede de Intrigas, ainda assim há espaço para eles. Porque na televisão tudo é reduzido a um espetáculo, salvo Chance que ainda preserva o seu humanismo, pela sua metáfora do jardim. O que exemplifica a questão moral que nos coloca um elo entre a nossa existência e pertencimento a este mundo. Quando Chance aparece na vida da família milionária, o ambiente muda e sua importância se faz presente por fazer aparecer novamente os sentimentos vivos que os deixavam atordoados. O que explica toda a nossa existência aproxima-se de questões humanistas, na confiança e empatia que temos um pelo outro, algo relatado por Ben, antes de saber que irá morrer e por Eve, depois de se sentir amada novamente. Por isso, a verdadeira expressão da realidade, explicação de todos os problemas, seja econômicos ou políticos, está além da compreensão deles mesmos, e se faz presente no jardim, no cuidado com o que nós temos com o nosso mundo e com o próximo. O que causa a admiração de todos no filme, que não compreendiam a sabedoria de um homem comum, iletrado e pobre, mas que tinha consigo mesmo uma qualidade especial: humanidade.
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Texto escrito em 2012.
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